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terça-feira, 24 de novembro de 2015

Ouvir com outros olhos

 

Há dias um grupo de amigos, no propósito de registar uma etapa que vencemos juntos, assinalou o momento com o bom gosto da coletânea de dezasseis ensaios de João Lobo Antunes com este título bem sugestivo: ouvir com outros olhos!

E a ouvir, então, com esses outros olhos fazemo-lo em agradecimento aos amigos que também colaboraram, e diretamente, com este apontamento (Ponta de Lança) nas ideias, leitura da realidade presente nos últimos quatro anos, visão profunda de construir a sociedade em ordem ao bem comum!

O autor é sobejamente conhecido. Desde que foi jubilado do Hospital de Santa Maria, há cerca de um ano e, segundo palavras suas, “quando cheguei aos 70 anos, perguntei a mim próprio o que iria fazer, agora que não tinha de ir todas as manhãs para o Hospital de Santa Maria” - disse-o ao Jornal de Letras - , “decidi que ia entreter-me com a minha inteligência. Dito assim, isto pode parecer um pouco pretensioso, mas pensei que iria ser como um mineiro a escavar recordações.”

Entre as “escavações” feitas estão os percursos, às vezes difíceis de entender, no ziguezaguear da vida política e da cidadania, como aconteceu quando apoiou, em 2005, a primeira candidatura de Cavaco Silva à Presidência da República, cinco anos depois de ser mandatário de Jorge Sampaio (e por lá ficou repetindo-o cinco anos depois).

Por fim, ouvimos J. Lobo Antunes no ensaio “Um neurocirurgião na Casa da Música”, para podermos olhar bem longe e descodificar os mistérios da mente humana, numa altura em que o país está no ocaso de mais um mandato da Presidência da República que termina em debate aberto sobre as competências e limites das mesmas no exercício da soberania própria: “consequência desejável de qualquer processo de aprendizagem é, evidentemente, a maturação como executante, qualquer que seja o ofício. O grande Bruno Walter, discípulo de Mahler, dizia que havia três fases na vida de um maestro: na primeira tudo parecia simples e natural; depois seguia-se um período de insegurança e incerteza, e finalmente o da maturidade plena. (…) Na primeira fase, a da aprendizagem das coisas miúdas do ofício, o medo era a força educativa dominante; (…) cresceu a seguir a segurança, que foi tornada robusta pela familiaridade progressiva com os instrumentos que uso e por uma intimidade cúmplice com os tecidos em que laboro: matizes de cor, de textura, de resiliência, a distinção fina entre o normal e anormal. (…) Em relação aos instrumentos, a maturidade plena atinge-se quando eles perdem a sua individualidade e se tornam um mero prolongamento natural de nós próprios. (…) Note-se que, ao observar um músico ou um cirurgião que atingiram este patamar, dá por vezes a sensação ao espectador de uma enorme (mas enganadora) facilidade – “eu também sou capaz de o fazer”! Então, a aprendizagem está finalmente concluída.”

Nem mais! Porém, ficam dúvidas em relação a outros ofícios e oficiantes. Será sinal que a aprendizagem ainda não está concluída? É que nem o Conselho de Estado é ouvido… com outros olhos!?

(in Correio do Vouga, 2015.11.16)


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