Em frente, vamos!.

EM FRENTE, VAMOS! Com presença, serenidade e persistência, há boas razões para esperar que isto é um bem...

Páginas

terça-feira, 22 de junho de 2010

PL, in "Correio do Vouga" - 2010.06.23

Cego é quem não quer ver!


Não podemos ignorar. Por mais que queiramos que chova, não é com os bulcões do nosso espírito que as nuvens carregadas desabam sobre a terra.

Também sabemos que, até na aridez do deserto, aqui ou ali, pela manhã mais possivelmente, podemos encontrar uma flor viçosa, frágil, mas bela. E é tão mais encantadora quanto maior é a nossa expectativa de a não encontrar.

E foi por estes dias, a propósito de lutas civilizacionais, à procura da razão (para não ficar cego!), que cruzámos com Alexandre Herculano (Eurico, o presbítero). Por nos parecer oportuno, pese o facto de extenso, sentimos necessidade de olhar para o alto e, no meio de ausências um pouco estranhas (afirmação cultural?!), tentar ver claro, distinguir. Tantas vezes, querendo que todos vejamos da mesma maneira ou cerrando os olhos (como as crianças quando fazem birra!) para demonstrar que não queremos ver, corremos o risco de transformar uma querela pequena num dano irreparável; de ficarmos cegos, até!

Quando é a hora mais tardia da vida, ou mesmo o ocaso, é elegante baixar a guarda e, talvez silenciosamente, olhar o passado para evitar erros futuros; como que recordar “naquele vasto horizonte, até então puro na sua luz horrenda, dois castelos de nuvens cerradas e negras começaram a alevantar‑se, um da banda da Europa, outro do lado de África.

Os bulcões conglobados corriam um para o outro e multiplicavam‑se, vomitando novos castelos de nuvens, que se difundiam, flu­tuando enoveladas com formas incertas.

E aquelas montanhas vaporosas e negras rasgaram‑se de alto a baixo em fendas semelhantes a algares profundos, e os seus fragmen­tos informes e cambiantes vacilavam trêmulos em ascensão diagonal para as alturas do céu.

Ao aproximarem‑se, os dois exércitos de nuvens prolongaram‑se em frente um do outro e toparam em cheio, Era uma verdadeira batalha.

Como duas vagas encontradas, no meio de grande procela, que, tombando uma sobre a outra, se quebram em cachões que espada­nam lençóis de escuma para ambos os lados, antes que a menos violenta se incorpore na mais possante, assim aquelas nuvens tenebrosas se despedaçavam, derramando‑se pela imensidão da abóbada afogueada.

Então, pareceu‑me ouvir muito ao longe um choro sentido misturado com gritos agudos, como os do que morre violentamente, e um tinir de ferro, como o de milhares de espadas, batendo nas cimeiras de milhares de elmos.

Mas este ruído foi‑se alongando e cessou: os bulcões alevantados da banda de África tinham embebido em si os que subiam da Europa, e desciam rapidamente para o lado dos campos góticos. Depois, senti lá embaixo, na raiz da montanha, um rir diabólico”.

Coisas do diabo?! Como é possível?

Acreditamos que pessoas há que, por terem lutado tanto para terem uma vida digna, tornam-se intolerantes com quem não viveu da mesma maneira. Ingénuos? Porque não!

Também há quem nunca teve oportunidade, desde o berço, por ausência circunstancial ou involuntária, por decisão maturadamente deliberada, de acolher a profundidade do Eterno!

Sem comentários: