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sábado, 5 de janeiro de 2008

Entrevista em "Correio do Vouga", 2008.01.03


“Os jovens não têm paciência para tantos serviços, reuniões, propostas a colidir umas com as outras em tudo"

Manuel Oliveira de Sousa deixou o Departamento Nacional da Pastoral Juvenil no dia 11 de Dezembro de 2007, após 12 anos de trabalho no órgão dependente da Conferência Episcopal Portuguesa que tem como competência a coordenação do trabalho da Igreja com os jovens a nível nacional.
Presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária Dr. João Carlos Celestino Gomes, de Ílhavo, Manuel Oliveira de Sousa, que também colabora no Correio do Vouga, faz um balanço da sua actividade e aponta algumas lacunas que não poderão ser ignoradas na pastoral juvenil.

CORREIO DO VOUGA – Trabalhou 12 anos no Departamento Nacional da Pastoral Juvenil, de 1995 a 11 de Dezembro de 2007, primeiro como membro da equipa e desde 2000 como director. Que balanço faz destes 12 anos?
MANUEL OLIVEIRA DE SOUSA - Desenvolver qualquer projecto com jovens é sempre fascinante. Quando somos jovens, como aconteceu comigo, o fascínio está na capacidade de nos ultrapassar-mos, de vencermos os obstáculos, porque estamos repletos do idealismo que nos caracteriza, a responsabilidade maior com os pares. Porém, depois, com os anos, a maturidade inverte o percurso – com o mesmo fascínio, na minha perspectiva; parte-se da responsabilidade para o idealismo, para o discernimento.
Portanto, só ganhei! Tal como o referi quando deixei o SDPJ de Aveiro, também agora tenho uma mistura de três sentimentos: dever cumprido (fui até onde as forças, todas as forças, mesmo algumas de bloqueio, e o Senhor permitiram); maturidade na fé (para mim e para os jovens com quem estive) e noção de que este serviço, em Igreja e de maneira particular com os jovens, é sempre uma sementeira maior, muito mais densa. Este terreno, à imagem da parábola do semeador que os sinópticos nos apresentam, para além da natureza da terra, tem também, passe a comparação, muitos acidentes, é muito imprevisível! Na pastoral juvenil pouco pode ser linear e, quando o é, é-o por pouco tempo!

Afirmou num comunicado que a sua principal preocupação “centrou-se na construção da comunhão entre todos”. Em que se concretizou esse esforço? Comunhão dos que trabalham com jovens? Foi alcançada? Com que iniciativas?
Com os jovens no coração (a sua formação e a formação dos animadores), a principal preocupação, foi dar continuidade ao excelente trabalho dos meus antecessores, centrando a atenção, primeira estância na construção da comunhão entre todos: todos de Jesus Cristo!
As razões são simples. Primeiro, porque depois dos cinco anos sem responsável nacional (1990-95), o DNPJ tinha de reunir o que andava disperso (e descrente, diga-se!); depois, para desenvolver um trabalho com tanta diversidade de carismas foi preciso congregar todos na comunhão das diversidades e sensibilidades; terceiro, por razões eclesiológicas; sendo a Igreja na Diocese, na Igreja Particular, reunir em termos nacionais implica ter noção precisa do que uma proposta nacional comporta no respeito por todos e por todas as Igrejas.
Cimentado este elemento base, encetámos esforços para chegar a um documento definidora da Pastoral Juvenil em Portugal (as Bases para a Pastoral Juvenil, em 2002); trabalhámos com a alegria de primeira evangelização em muitas iniciativas (Festival Nacional da Canção, Fátima Jovem, Jornadas Mundiais, etc); fomentámos formação; constituímos o Conselho Nacional da Pastoral Juvenil; surgiram grupos de trabalho para inventar novos itinerários (destacam-se o “Mais Dez” e o “GPS”); demos expressão ao ecumenismo entre os jovens (Fórum Ecuménico Jovem, sobretudo); tivemos a Cruz da Jornada Mundial em Portugal, o encontro Europeu de Taizé em Lisboa, etc.
Penso que foram anos sobriamente frutuosos.

A eficácia do trabalho pastoral não se mede pelos sucessos, mas, se tiver de escolher um facto, acontecimento ou iniciativa mais importante, qual escolhe?
Sem fugir à essência da questão, o “acontecimento” mais marcante destes anos foi João Paulo II! Por tudo. Inaugurou um caminho que não terminará.
Não gostaria de dar à Igreja o que não é seu – como acontece ao longo da História com a cristianização do profano - , dizer algo como o Ano Internacional da Juventude e a inauguração das Jornadas Mundiais, o que elas representam, foi uma espécie de “Maio de 68”, na perspectiva de descobrir os jovens no seio da Igreja, não é correcto nem no conteúdo nem na forma. Há, no Ministério de João Paulo II com os jovens, sementes de revelação (no sentido mesmo apocalíptico); revelação dos jovens que João Paulo II faz à Igreja, sobretudo a inspiração que são os itinerários catequéticos para as Jornadas e o que delas emana para o Mundo.
Depois tivemos o Fátima Jovem 1998! Penso que foi pendular. Marcou indelevelmente a geração do Jubileu do ano 2000 e o compromisso da Conferência Episcopal com os Jovens (recordo a carta belíssima que os nossos bispos escreveram aos Jovens!).
Mais recentemente, o Conselho Nacional da Pastoral Juvenil.

E qual julga ser a maior lacuna da Pastoral Juvenil nacional nestes últimos anos?
Ainda recentemente fazíamos esta reflexão em reunião de trabalho.
Primeira lacuna. Há a ideia (e a prática) de os jovens que perdemos! A tentação da estatística.
Os jovens, na diversidade da acção evangelizadora da Igreja, que têm contacto com Jesus Cristo de forma continuidade são, em Portugal, à volta de meio milhão (entre os 15 e os 29 anos), dos cerca de 2 milhões que cá residem, na expressão do estudo do IPJ, de 2006.
O modelo de acção da Igreja não é económico, de ganhos e percas, é pastoral, de anúncio.
Associada a esta preocupação, como complemento, há ainda a outra face, o acento nos jovens ditos “fora da Igreja”!
Na minha perspectiva estão aqui as duas maiores lacunas na acção pastoral da Igreja. A ideia medieval de “fora” e “dentro” não deve ser mote para a acção da Igreja. O anúncio que se faz é católico (universal, portanto). Com isto quero dizer que não há jovens dentro ou fora da Igreja. Devemos partir, em relação aos jovens, de S. Paulo: “vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus”. Assim, pode e deve servir de inspiração para o processo evangelizador dos jovens o itinerário do “Ad gentes”, uma etapa missionária, uma etapa catecumenal, uma etapa pastoral. Todos são de Cristo, independentemente da distância a que se encontram!
Segunda lacuna. A orgânica pastoral (dos jovens).
Os jovens não têm paciência, nem a juventude tempo, para tantos serviços, reuniões, propostas a colidir umas com as outras em tudo: no conteúdo, nos destinatários, nos dinamizadores. Todos se esgotam a fazer o mesmo e sem resultado para além de pequenos momentos de sobrevivência factual.
A riqueza da Igreja está na diversidade, mas essa não é sinónimo de dispersão inconsequente.
Coloca-se em causa a organização administrativa da Igreja (fala-se muito das paróquias e da revisão dessas). Estou de acordo. Porém, tudo parece objecto de reflexão por reacção (à falta de sacerdotes, por exemplo) e não uma proposição.
Terceira lacuna. É impossível trabalhar na pastoral juvenil nacional se não há fundamento eclesiológico para esse serviço e, a agravar, sem um plano nacional assumido transversalmente. Pouco vale dizer que estamos preocupados com os jovens, se ainda pensamos que só o hábito identifica o monge. A Igreja é já um desconhecido entre os jovens. Portanto, quem melhor se organiza e identifica, tem mais hipóteses de apresentar uma proposta credível.
Quarta lacuna. Os jovens ainda são um incómodo e não a essência da acção e preocupação pastoral da Igreja. Está ali a alegria, a sedução, a criatividade, que faz a Igreja atraente. O modelo cultural que as sociedades adoptaram nestes tempos é o da eternização da juventude. Nós temos esse tesouro em grande depósito, apenas temos de o assumir na integridade. Todas as comunidades que centram a sua acção nos jovens têm tudo, mesmo propostas sedutoras para os que estão “fora” – com todas as aspas – porque esses também têm salvação.
Estas lacunas são as minhas também, são o que gostaria de ter feito.
Nos próximos tempos ter-se-á de trabalhar na organização de um directório nacional ou no plano. Sou defensor acérrimo da máxima de que ninguém dá o que não tem ou nem sabe que existe! Há menos disponibilidades, menos vocações… temos de nos organizar ainda melhor na forma, no conteúdo e na acção.

Os jovens de 1995 são diferentes dos de 2007? Em quê?
São totalmente outros. De forma intercruzada na mobilidade, na concentração e na comunicação.
Com a urbanização da cultura, as ideias e as pessoas circulam muito mais rápido para todo o lado. Ninguém está muito tempo em lado nenhum, tudo é móvel, até os telefones!
A concentração tem um duplo sentido. Por um lado, por consequência da mobilidade, podem juntar-se muitos no mesmo sítio por causa nenhuma, só porque apetece. Por outro lado, a reflexão, a ponderação, a abstracção são diferentes, mais pragmáticas.
Por último, a comunicação. É o reflexo das duas anteriores. Porém, note-se a grande facilidade para intuir, para as novas linguagens, para novos modelos de conhecimento.

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