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sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Bem comum e política




M. Oliveira de Sousa
O percurso efetuado na sociedade avereirense, mormente o mais recente e atual, poderia levar a deduzir que é conhecido o meu entendimento sobre o que é fundamental na vida de Aveiro: a responsabilidade de todos no cuidado pelo que é público (a política, na sua essência!). Porém, sendo estas umas primeiras notas nas páginas do “Diário de Aveiro”, por respeito ao próprio e aos leitores, obrigo-me a começar exatamente pelo mais importante na vida colectiva: o bem comum!
O primeiro ponto de qualquer ação, de qualquer projeto, o princípio. Em sociedade, o princípio de tudo é o bem comum. Não consigo entendê-lo de outra forma.
Desde sempre que nos vários fóruns de reflexão, de debate sobre qualquer empresa humana, que entendo, e assumo, que o núcleo fundamental de tudo o que podemos fazer é o e para o bem comum. Recordo, entre tantos outros textos e estudos, um pequeno resumo do trabalho de vários investigadores “Bem comum. Público e/ou privado?” (ICS, Lisboa 2013), a reflexão em torno do «bem comum» ganha particular relevância em momentos de crise e transição. Não só porque o risco de desestruturação das instituições se associa à incerteza relativamente ao que elas poderão ser no futuro, mas também porque os valores que a noção de «bem comum» evoca são testados com particular intensidade em momentos de mudança, prática da mudança. Ora a mudança está em cada momento, o mundo é mudança, tão bem imortalizado por Camões “todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades”. Até o imutável, para mais paradoxal que pareça, muda!
O bem comum é, diria, a constante! E é-o na diferença que todos emprestam ao coletivo. Este não é a adição ou soma de “egocidade” ou imposição de bem particular. É movimento espiral de realização de todos. Portanto, o bem comum é plural. São os valores iniciais (justiça, igualdade, liberdade, paz, oportunidades), alicerçados na participação (cada um dá um pouco de si para vivermos todos um pouco melhor), para que seja atingida a solidária coesão social (em todas as variáveis: desenvolvimento, equipamentos, cultura, saúde, serviços, gestão de recursos,… felicidade das pessoas).
É aqui que entra a responsabilidade política. A política, como o cuidado com a “cidade” ambicionada, é o pilar da concretização, da materialização do bem comum. Relembramos Aristóteles (“Política”) para quem “a política é a ciência da felicidade humana”, a que Tomás de Aquino acrescentou, mais tarde, “a política é a arte de formar homens e administrar visando o bem comum.” E tendo no horizonte, dir-se-á, o que Platão advertiu: “não há nada de errado com quem não gosta de política. Simplesmente serão governados pelos que gostam.”
Ora, se todos somos confrontados com a imperiosa necessidade de cuidar do que é comum, ou participamos ou qualquer outro vai fazê-lo em nosso nome. E até pode fazê-lo com um discurso sedutor onde, inclusive, põe em destaque princípios que concordamos. E não há mal nenhum nisso, até é assim na democracia representativa, como a nossa.
Não há sociedade sem bem comum, não há bem comum sem participação política, não há política sem protagonistas que cuidem do bem comum.
O desempenho político dos protagonistas (“em nosso nome”) é o centro da diferenciação entre o que une ou separa as sociedades; assenta no método participativo (ativo nos contributos, na inserção desses contributos nos planos de execução, na avaliação através de diferentes mecanismos e sufrágios) e tem como “parceiros” fundamentais, como facilmente se depreende, a coerência, entre o que se assume e o que se concretiza; a transparência, de processos para que todos constatem o tempo e o modo como decorrem; a consequência, que é a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
Quando não é possível a todos serem protagonistas diretos, compete a cada um supervisionar a prática na administração do bem comum, como que através de um “instrumento-espelho” que refletirá o caráter (político) dos protagonistas: se têm uma visão que faz vislumbrar cumprimento ou incumprimento, verticalidade ou demagogia; e se o legado que ambiciona como herança conduzirá à preservação e melhoria do património coletivo ou a simples e preocupante bem particular – às vezes por razões tão banais querer ser “o poder”.
A política sem bem comum é um desfile de ideias (ou imagens, no sentido grego) desconexas entre si, desfiguradas no conjunto, que apenas resultam num cenário fantasiador da representação da realidade da vida das pessoas.
(in Diário de Aveiro, 2018.09.07)

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