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quarta-feira, 13 de maio de 2015

12 de maio – II

 

Princesa: caem-te os olhos como moldura do rosto e dos ombros,

O colo descoberto, tentador pode ser o colo de uma mulher

A qualquer hora, e a estirpe,

Se quem foi herdeira da coroa de Portugal e regente do reino

E continua virgem precisa mostrar a estirpe, mostra-la na cabeça cingida

Por uma crespina de ouro, pérolas e pedrarias da tua real condição

E traje de corte conforme ao que a teu estado convém.

Poderia dizer-se que te vestiste respeitando o plano. E, contudo…

Convocada à encenação do corpo, ao falso natural da pose

Para te fazer chegar belíssima em retrato às cortes europeias,

Chamada à impossível inocência da figuração

Que animaria algum consorte possível – convocada, defraudaste

A oficina do pintor régio. A cara em sacrifício, a rígida postura frontal,

Frio o olhar nas faces róseas,

Como haveria de caber a tristeza de um ícone religioso

Num projecto de enlace matrimonial, mesmo sem vestígio amoroso?

Tu, Joana, Princesa, Beata, enquanto não chegava o tempo

De irmão rei inventar a razão de Estado,

Tu, num convento em Aveiro, inventavas

A falsa missiva de amor. Os artistas lutavam para inventar o retrato

E tu inventavas a santa desobediência.

A desobediência do figurado. O retrato que se nega ao encenador.

A desobediência aos astros, à nação, aos tempos, à família

E ao dever de colocar o corpo próprio e seus efeitos à ordem do mundo.

Tu, Joana, Princesa, Santa sem certificado, inventavas em silencia a palavra “não”.

A palavra “não” porque sim e aqui fico e aqui morro,

Mesmo que nunca professe neste convento de Jesus,

Como nunca professaste,

Não haverá de cumprir-se o alto desígnio de Sua Majestade

Quanto à sorte que a mim cabe

Retrato da Princesa Joana Santa. Porfírio Silva (2013), Monstros Antigos. Poesia. Lisboa: Esfera do Caos.

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