O tempo é propício a olhar para a Palavra. Requer-se, porém, um olhar mais atento, uma escuta predisposta a uma atitude de mudança, à leitura dos sinais dos tempos: estamos na Semana Santa.
Para um melhor entendimento da ética que Jesus inaugura com a “outra face”, no contexto que também é este que nos é dado viver, recordamos Romano Guardini, que encontra nas reflexões da primeira parte da vida de Jesus, consagradas aos princípios da vida, no período a que se dá o nome de primavera do seu apostolado. Os homens estavam impressionados pelo poder da sua personalidade e pela verdade da sua mensagem. A descrição desse tempo culmina com o Sermão da Montanha; uma sucessão de ensinamentos e exortações, pronunciado «na montanha». A “Montanha” anuncia a ética de Jesus; que Jesus formula aí as novas relações do homem consigo mesmo, com os outros, com o mundo e com Deus, através das quais a ética cristã se diferenciará da do Antigo Testamento e da da humanidade. Contudo, não é no sentido moderno da palavra, a ciência do dever e da moralidade. Aqui, na “Montanha” não se revela apenas uma moral, mas toda uma maneira de existir — a qual evidentemente, exprime ao mesmo tempo um «ethos», isto é, uma nova ordem social: “a quem te ferir numa face, oferece-lhe também a outra”.
Com esta paisagem de fundo, contemplamos dois acontecimentos marcantes na nossa sociedade que recorreram à “Montanha” (8º Festival de alunos do Secundário, em Gouveia) e implica uma “outra face” (a mendicidade portuguesa junto dos senhores do dinheiro do mundo)!
Sobre a “Montanha”, a comunicação social relata episódios denunciadores da urgência de aprofundar e dar outro sentido às idades da vida e recriar toda a estrutura. Às palavras de Pe. Vasco Pinto de Magalhães, é preciso conhecer o mundo dos jovens, acrescentamos, como por prefixação, “já não é suficiente”!
O segundo quadro, na continuação do referido no último apontamento que aqui deixámos, o FMI chegou apenas para nos emprestar dinheiro e dizer como e até quando o vamos pagar! Não serão estes senhores a mudar a nossa atitude despesista sobre o que não temos. Apenas emprestam dinheiro e aplicam um plano para o reaver dentro de um determinado período de tempo – óbvio! Lamentavelmente, as consequências sobre cada um vão ajudar a mudar de vida, para pior. Por essa via, até poderemos ser levados a pensar que ficamos mais produtivos – puro engano! Apenas ficamos desprovidos da capacidade de gastar o que não temos.
Em síntese, ou damos todos a outra face (no sentido evangélico), isto é, perante esta (necessária) “injúria” mudamos de ética e prática ou vamos conhecer (no sentido do “vil metal”) a outra face da moeda!
Apesar da nossa esperança não se poder esgotar, já carregados com o madeiro do Calvário, se lançarmos os nossos sentidos em redor, só se ouve muito ruído e perscruta alguns Baptistas a pregar no deserto!
(in Correio do Vouga, 2011.04.19)
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