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segunda-feira, 2 de junho de 2008

PL, in "Correio do Vouga" - 2008.06.04

A muralha

Quando o cidadão comum circula nos lugares comuns (não confundir com lugar-comum mas também pode ser confundido), há três pressupostos indissociáveis que gosta de ver assegurados: a) fluidez na circulação; b) piso adequado; c) ausência de imprevistos (mecânicos, humanos, etc.).

A fluidez na circulação é algo sempre desejável. O transeunte, vá a pé ou vá movido por um veículo, fica sempre perturbado quando tem de fazer ultrapassagens, paragens, improvisos, voltinhas e mais voltinhas. “Não há paciência” – desabafa-se quando ainda há decência na manifestação do incómodo!

Outro pré-requisito é o do piso. Deve ser adequado ao humor ou necessidade de quem circula! Se é cross é terra, se é velocidade é pista, se é rapidez é auto-estrada!? E todos o querem desta maneira! Daí que seja muito aborrecido, mesmo muito, os circulantes ou quem tem a responsabilidade das vias, confundir as respectivas funções. Normalmente, dá mau resultado.

E depois os célebres imprevistos! Todos são danados de suportar, independentemente da proveniência ou natureza.

Houve tempos em que se encontravam procissões, funerais, comboios disto ou daquilo e, muito esporadicamente, uma prova de ciclismo ou viaturas mais lentas (a maior parte de tracção animal)! Mas a vida tinha uma cadência bucólica. Não se conseguia programar nada ao milésimo de segundo ou por telemóvel, por exemplo. Tudo girava com serenidade e, qualquer aceleração ou atraso, tinha de ser expedido no próximo telefone público, correios ou mala-posta! Até se aprendia no código quais eram os veículos de emergência ou urgência!?

Agora, tudo é diferente.

A fluidez é a possível! O piso pouco interessa (todos os meios justificam os fins – sem qualquer confusão, assim mesmo!)! E os imprevistos são supersónicos e reflexo da laicização e individualismo. Tudo é urgente, porque cada um é que sabe de si, é a medida de todas as coisas! O religioso entrou na esfera do envergonhado e do individual (era cansativo, perturbador, desagradável,…não há tempo!). Mas surgem outras “religiões”, bem radicais por sinal. E porque não se pode perturbar a vontade de uns tantos há que deixar passar quem pode gritar mais alto ou perturbar mais!

E tudo isto porque, no domingo, Aveiro recuperou a sua “muralha” quinhentista através de uma prova de atletismo que, sem vias alternativas, bloqueou por completo os moradores do centro da cidade! Então, mesmo com urgência, lá se esperava (mandava o agente da autoridade presente aqui, ali, acolá,… onde se tentou, sem sucesso, encontrar uma nesga na “muralha”)… e desesperava. É que até parecia de propósito para consumir a paciência: ora passava um, ora outro, um que marchava, outro que caminhava, outro que corria,…todos têm direito, ponto final! Mas…fosse uma procissão sem aviso prévio ou tradição… ia ser lindo!? Haja bom senso!

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