in Correio do Vouga (dezembro, 2018)
M. Oliveira de Sousa |
Em apenas três badaladas, recordar muitas outras
noites e diferentes dimensões da mesma noite.
A interpelação aos que escutam a voz da esperança
nas trevas dos pastores não justifica o silêncio dos bons. Porque o silêncio da
bondade não pode calar o silêncio dos bons.
À meia noite ou noutra hora qualquer… a voz dos sem
voz.
Não podemos “adorar” o Menino Jesus enquanto
milhares de crianças são espancadas, torturadas e violentadas, a não ser que
lutemos contra esta violência que “degola” inocentes.
Não podemos entender o Santo Natal no meio a um
mundo globalizado, que coloca o ser humano sob o lucro insaciável, que deixa
milhões de trabalhadores sem emprego, que está a destruir a “casa comum”, a não
ser que no indignemos na ação, em atitudes contrárias construindo a “Civilização
do amor”, da fraternidade, da liberdade, da paz.
Não podemos aceitar de boa vontade a cultura do
“TER” e não do “SER”, aceitando a valorização do discurso divisionista e do
ódio; a promoção da ditadura da “moda”; ficar seduzido pela mentira, anti-evangelho,
anti-Natal.
À meia noite ou noutra hora qualquer… a prosa dos
poetas.
Devemos ouvir o espírito dos poetas, quando manifestam
irritação com tudo o que contribui como que um desfile da grande farsa. “Uma
Antologia Lírica do Natal”, enquanto
“peste e fome e guerra” são dores que passam sempre ao lado do “coração que não
existe”; uma “saudade de alma”, um
desprezo pela “brandura” geral desta época de consumos sem mais.
Tudo tão igual (lembrando Torga)
Todos
os anos, nesta data exacta,
Momentos
antes
De
fechar o cartório
De
poeta
-Um
registo civil ultra-real-,
O
mago desse arquivo de presságios
Regista
de antemão o mesmo nome
No
seu livro de assentos:
-Jesus...
– repete com melancolia.
À meia noite ou noutra hora qualquer… as narrativas
da história.
Ouvimos a história da cultura portuguesa contada de
forma negativa, pelos adversários, por quem a atacou e discordou, disponível no
“Dicionário dos Antis: A Cultura Portuguesa em Negativo”, em dois volumes, coordenados
pelo Prof Eduardo Franco. Uma pesquisa, reflexão e redação, ao longo de mais de
uma década, feito por centenas de investigadores nacionais e internacionais, em
que são desconstruídas, para melhorar a compreensão, de como fomos habituados,
na escola, a aprender fundamentalmente aquilo a que podemos chamar a cultura
positiva, a visão afirmativa da História. Aqui há uma visão diametralmente
oposta: uma viagem pelas correntes, as etnias, as religiões as instituições, as
figuras a partir do olhar do adversário, de quem discordou, de quem atacou, de
quem pensou o contrário. Uma análise crítica das correntes e dos discursos
centrados na História de Portugal - desde os primórdios da cultura e da
civilização até aos dias de hoje -, com base na perceção negativa dos outros,
como por exemplo, o judeu, o padre, o inglês, o muçulmano, o comunista, o maçon
ou o castelhano. A história da cultura numa espécie de imagem em negativo que vai
permitir compreender em que medida é que esses discursos criaram estereótipos e
demonizaram diferenças.
Natal com um bocadinho de boa vontade.
Sim, é verdade, não podemos estar mais de acordo: sem
Natal, o Natal não tem interesse nenhum!
Sem comentários:
Enviar um comentário